quarta-feira, 2 de julho de 2014

Entrevista - Alexandre Nagado

Confira abaixo a primeira parte da entrevista com Alexandre Nagado, um pioneiro do cenário de mangás e animes no Brasil, desenhista dos mangás Street Fighter e da coletânea Mangá Tropical, além de outros trabalhos.

Aqui ele nos fala do começo de sua carreira e sua visão sobre o mercado nacional de mangás, algo que interessa a todos nós.


ANA: Pode nos contar um pouco sobre sua carreira e seu envolvimento com o mangá, como começou e se desenvolveu?

NAGADO: Desde criança gostava de animês e séries japonesas, além de sempre ler muitos quadrinhos de todo tipo (Mônica, Tio Patinhas, Asterix, Tintin, heróis Marvel e DC, Recruta Zero, Mortadelo e Salaminho...). Quando fui estudar desenho, aos 15 anos, pensando em me profissionalizar como ilustrador ou cartunista, queria puxar para mangá (movido pela minha paixão por desenhos animados japoneses), mas isso era inviável economicamente. Na verdade, meu traço, desde o começo, nunca foi mangá no sentido clássico do termo. Eu tinha influências, mas buscava um traço pessoal. Escolhi o caminho mais difícil, e ter um traço "meio termo" sempre atrapalhou. Quem era da escola de desenho americano, dizia que eu fazia mangá. Quem manjava de mangá, dizia que era desenho ocidental. E ninguém simpatizava muito. Mas no lado prático, fui à luta com o que era viável economicamente e comecei a publicar profissionalmente (ou seja, sendo remunerado) cartuns para um jornal de sindicato aos 17 anos. Trabalhei mais com caricatura, cartum, roteiros e ilustrações e acabei me especializando em comunicação institucional usando quadrinhos. Meus melhores trabalhos, financeiramente falando, foram nessa área. Prestei serviço para editoras, agências de publicidade e empresas de eventos, sendo freelancer na maior parte da minha vida profissional. Somente depois de já ser um veterano consegui publicar algumas coisas no traço que eu queria mesmo, misturando influências e com um timing mais de mangá.

ANA: Pode falar mais sobre a experiência com o mangá Street Fighter e a coletânea Mangá Tropical? Tem mais projetos dessa época que participou e considera relevante?

NAGADO: O Street Fighter foi o trabalho de HQ mais longo que fiz. Foram 15 edições, entre 1994 e 1996, na Editora Escala. Escrevi vários arcos de história e devo ser o roteirista de quadrinhos ocidental que mais assinou histórias oficiais da franquia. Foi extremamente divertido e desafiador. Fiz histórias movimentadas, algumas com humor, teve passagens toscas (rs) e uma ou outra história que tenho orgulho até hoje. Entrei no SF por indicação do Marcelo Cassaro, que havia conhecido meu trabalho com algumas HQs que escrevi sobre super-heróis de tokusatsu licenciados para a Editora Abril e EBAL, entre 1990 e 91. Pra Abril, escrevi Flashman, Changeman e Maskman. Na EBAL, foi Goggle V, Sharivan e Machine Man.
O Mangá Tropical foi algo feito muito depois, num outro momento de vida e carreira. Foi um álbum com histórias curtas de vários autores em estilo visual ou narrativo de mangá. Fui o coordenador do projeto e estabeleci que a única exigência é que fossem histórias ambientadas no Brasil contemporâneo. Participaram o Daniel HDR, Fábio Yabu, Arthur Garcia, Silvio Spotti, EdH Müller, Elza Keiko, Marcelo Cassaro, Erica Awano, Rodrigo de Goes e Denise Akemi. Eu também assinei uma das histórias, com uma das HQs que mais gosto dentre as que produzi. Saiu pela Via Lettera em 2003 e teve prefácio da Professora Sonia Luyten. Pela importância do álbum, uma espécie de "Dream Team" do mangá nacional da época, considero o projeto mais relevante que produzi.

ANA: Muita coisa mudou desde os anos 90 até hoje, tanto no mercado de mangás traduzidos quanto nas iniciativas nacionais. Qual sua visão sobre as mudanças e sua opinião sobre o cenário que temos hoje no Brasil?

NAGADO: Em termos de mercado de trabalho, infelizmente não há mais espaço para se produzir algo pra banca e ganhar um trocado com isso. Fora da MSP, quase não há onde se publicar material nacional sendo pago para isso. O mercado de álbuns, movido a royalties, é quase de nicho e em geral não permite que autores vivam disso. E os financiamentos coletivos apenas viabilizam a publicação, raramente dando algum ganho financeiro significativo. Hoje, se publica muito mais por amor à arte do que como um trabalho propriamente dito. O que me aborrece é ver gente dizendo que o mercado de HQ nacional está maravilhoso porque muita gente está publicando. Ok, o mercado de publicações pode estar bom, mas não o mercado de trabalho. Os donos de editora (não confundir com editores) conseguem algo, mas cada vez menos. Aliás, acho que é só no Brasil que se diz que um mercado está bom, mas que as pessoas que produzem o que é vendido nele não ganham bem. Se um engenheiro pode dizer que o mercado de trabalho dele está ótimo, pode crer que ele e muitos que ele conhece estão ganhando bem. Com HQ, mercado bom não significa ganhar bem, o que eu acho uma distorção de valores.
Já sobre o material traduzido, não tenho muito o que falar, pois não acompanho quase nada. Acho ótimo que muita coisa boa saia, mas isso também acomoda as editoras a buscarem coisas prontas. O mercado editorial japonês, o americano e o europeu se desenvolveram no passado porque editores fomentaram a produção local. Aqui no Brasil, a mentalidade foi outra, e desde os primórdios do mercado editorial de revistas em quadrinhos, a prioridade era buscar material pronto (e mais barato proporcionalmente), com uma qualidade já testada e traduzir pra vender aqui. Começou assim e nunca vai mudar. Veja, não sou nacionalista (longe disso, inclusive), mas eu realmente gostaria de ver um mercado de trabalho real para autores brasileiros. Dizem que brasileiro é ruim, não sabe fazer roteiro, não cumpre prazo... Acontece que nem tudo o que se faz no exterior é bom e os mercados lá fora tiveram tempo pra se desenvolver, lapidar gerações inteiras de autores e conseguir níveis de excelência que só são atingidos com produção profissional constante, fazendo o autor produzir diariamente para ganhar dignamente o pão de cada dia. A competição é desigual, como sempre foi.

Para saber mais sobre ele, acesse:
Linked in: br.linkedin.com/in/alenagado
Portfólio: nagado-portfolio.blogspot.com.br
Blog Sushi POP: nagado.blogspot.com.br
Twitter: @ale_nagado

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