quarta-feira, 16 de julho de 2014

Entrevista - Alexandre Nagado [Final]

Lembram da primeira parte da entrevista com o Alexandre Nagado? Trazemos hoje a segunda e última bateria de perguntas, com respostas interessantíssimas pra todo mundo que se interessa por quadrinhos no geral e mangá no Brasil. Confiram:

ANA:  Qual sua visão a respeito do "mangá nacional" e do mangá criado fora do Japão?

NAGADO: Gosto da ideia do mangá como uma linguagem universal, que pode ser emulada ou adaptada em qualquer lugar, mas seguindo parâmetros estéticos ou narrativos. No Japão se faz jazz e bossa-nova, o que é fantástico. Sou contra a ideia de quem diz que mangá de verdade é só o feito no Japão. Se fosse assim, seria como dizer que jazz, se não for feito por americanos, não é jazz. Mas tem músicos ótimos no Japão fazendo jazz sem acrescentar toques orientais. Tanto o caminho da emulação quanto o da mistura de influências são válidos. O que sou contra é tentar fazer um mangá brasileiro ambientado numa escola de Tóquio.

A maioria filtra essas coisas pelo que vê em mangás, criando ideias muito distantes da realidade. Ou então pega um tema histórico do Japão e aí o desastre pode ser maior ainda. Se não for num cenário neutro (futuro, espaço, mundos fantásticos, etc...), queria ver mangás nacionais ambientados no Brasil. Achar isso estranho é preconceito. Um dos mangás mais famosos de todos os tempos, A Rosa de Versalhes, se passa na França.

Pra não cair em contradição, claro que acho que também pode ser válido um mangá brasileiro ambientado em Tóquio, desde que seja feita uma boa pesquisa. Este é o ponto principal: pesquisa quando a proposta é retratar uma realidade que não é a sua. Mas sinto falta de ver projetos ambientados no Brasil. Agora, o que eu acho chato é ver mangá nacional com a ordem de leitura seguindo padrão japonês. Pra mim, isso é descabido. Já vi coisas feitas assim até mesmo com onomatopéias em japonês - e alguns erros grosseiros típicos de quem aprendeu o alfabeto katakaná olhando para tabelas que pegou na internet. Estudo é o que dá base a qualquer trabalho.

ANA: Pode falar mais sobre seus livros publicados? Qual seu envolvimento com a pesquisa de mangá e quadrinhos?

NAGADO: Bom, tudo começou quando eu ofereci ajuda pra revista SET - Terror e Ficção em 1992, depois que eles anunciaram que iriam falar de Ultraman. Era coisa de fã somente. Acabei fazendo um teste e sendo aceito pra escrever uma nota sobre o personagem para uma edição da revista. Eu tinha 21 anos na época. Depois, em 1994, fui convidado para ser um dos primeiros colaboradores do então projeto inicial da revista Herói, que virou um sucesso sem precedentes no Brasil, com edições ultrapassando meio milhão de exemplares. Aí eu comecei a levar a sério escrever sobre seriados e desenhos. Sem ser um acadêmico, comecei a ser visto como um pesquisador independente. E já conheci muita gente que fez jornalismo inspirado nas minhas matérias da Herói, o que é curioso.

A Herói, amada por uns e odiada por outros, chegou a bater a revista Veja em vendas de banca (sem contar as assinaturas da Veja) e foi o maior fenômeno editorial de cultura pop que já existiu no Brasil. Não há termo de comparação, em termos de popularidade e alcance, com nada que existia na época. Não falava só de CDZ, animê ou heróis japoneses, mas tinha enorme conteúdo sobre produções japonesas e marcou época. Isso me levou a dar palestras em eventos e a colaborar com outros veículos eventualmente. Tudo isso sem ter diploma de jornalismo, ou mesmo diploma universitário. Muitos anos depois é que fui estudar Gestão de RH, mas tranquei o curso na metade. Acontece que sempre levei português e gramática muito a sério e gosto de inglês e História. Daí, fui atrás de informação, para nunca fazer feio quando colocado ao lado de jornalistas ou pesquisadores.

Tudo isso acabou me gabaritando a circular no meio jornalístico e acadêmico. Já dei palestra em faculdade, já participei de congressos e participei de debates com professores doutores. Em um desses eventos, fui convidado pela professora Sonia Luyten a participar de um seminário sobre cultura pop na Unisantos. Isso acabou gerando um livro de ensaios dos palestrantes. O livro é Cultura Pop Japonesa - Mangá e Animê, da ed. Hedra, lançado em 2004. Em 2007, saiu uma compilação de artigos meus, a maioria publicados no site Omelete e na revista Herói. É o Almanaque da Cultura Pop Japonesa, da ed. Via Lettera. Mas antes desses, escrevi com o Marcelo Del Greco o Dicionário Anime>DO, lançado pela Escala em 2000. Saiu em três fascículos de depois em edição única. Em 2011, lancei o e-book Cultura Pop Japonesa - Histórias e Curiosidades, que dá pra baixar no meu blog.

ANA: Tem acompanhado os lançamentos e movimentos de mangá recentes, como o sucesso de Shingeki no Kyojin, por exemplo? E quanto a animes?

NAGADO: De material recente, li K-On e Ataque dos Titãs. O primeiro, definitivamente, não é pro meu gosto. Mas o dos gigantes eu curti, até escrevi uma análise no meu blog. Animês eu nunca mais acompanhei nada depois dos anos 90. Pretendo ver quando puder o Yamato 2199.

ANA: Por último, onde podemos saber mais sobre seu trabalho? Site, contatos, pontos de venda.

NAGADO: Atualmente, não estou atuante no mercado de trabalho ligado à criação. Ainda faço alguns freelas de desenho e HQ (em geral, pra comunicação interna de empresas), mas desde o final do ano passado tenho um trabalho fixo como funcionário público concursado. Por ter família, não pude mais aguentar a instabilidade do mercado. O mercado criativo não tem espaço pra todo mundo ganhar dignamente e não consegui me manter nele, isso é para poucos. Tem que ter uma combinação de talento e sorte. Meus livros são difíceis de achar, não por terem sido um sucesso, mas por serem edições antigas, com tiragens limitadas. O que tinha que vender já vendeu praticamente tudo. Um dia, quem sabe eu volto a publicar algo. Tenho alguns projetos, mas não sei quando ou se conseguirei colocar em prática. Acho que é isso.

Ah, sim, pra quem quiser saber mais, tem os meus links abaixo:

Linked in: br.linkedin.com/in/alenagado
Portfólio: nagado-portfolio.blogspot.com.br
Blog Sushi POP: nagado.blogspot.com.br
Twitter: @ale_nagado

Obrigado pela oportunidade. Abraço!

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